terça-feira, 31 de agosto de 2021

Enxergando as Vítimas Invisíveis de Abuso Doméstico em sua Igreja

Enxergando as Vítimas Invisíveis de Abuso Doméstico em sua Igreja

Darby Strickland

 

 

Evelyn frequentava regularmente os estudos bíblicos para mulheres. Durante o tempo de oração, ela costumava dizer que estava lutando contra a ansiedade. Ela estava preocupada que seus aparentes fracassos estivessem afetando sua filha. Ao longo dos dois anos em que a conheci, vi-a ficar mais angustiada, afastar-se das amizades e, literalmente, murchar diante dos meus olhos.

 

Eu a convidei para almoçar uma semana e gentilmente perguntei por que ela acreditava que estava falhando com a filha. Ela respondeu: "Bill me diz que sou um péssimo modelo". Tive que segurar meu instinto de rebater imediatamente as críticas de seu marido. Era essencial obter mais informações. Então eu perguntei: "Por que Bill diria isso?" Suas histórias de opressão começaram a fluir.

 

Durante uma hora, ela compartilhou as críticas e acusações de Bill a respeito dela. Ela acreditava nas palavras do marido: que ela era preguiçosa, terrivelmente medrosa, estúpida, incompetente, hipócrita e imprestável.

 

Meu coração se partiu, e eu queria rebater o que estava ouvindo, mas para discernir o que estava acontecendo, fiquei em silêncio por um tempo para que ela contasse suas histórias.

 

Dificuldades para identificar o abuso

 

O abuso ocorre a portas fechadas quando ninguém está olhando. A maioria de nós não tem consciência de sua prevalência. Não estamos cientes de que as mulheres estão sofrendo abusos em nossas igrejas. Não fazemos perguntas, nem corremos atrás de coisas que achamos que não estão acontecendo, então não conseguimos identificar o abuso. Mas o abuso está acontecendo - e provavelmente com alguém que você conhece, já que um em cada quatro casamentos é abusivo. Aqui estão alguns motivos pelos quais falhamos em identificar a violência doméstica entre nós.

 

1. A Percepção da Vítima

 

Os opressores geralmente são mestres em disfarçar o que estão fazendo. Muitas vezes até mesmo seus cônjuges, as vítimas, falham em identificar o abuso. Os abusadores mantêm o controle criando um clima de confusão e fazendo com que suas vítimas se sintam responsáveis ​​pelas punições que sofrem (Jeremias 18:18).

 

Evelyn acreditava que estava falhando como esposa; ela não conseguia identificar que o que estava acontecendo com ela era errado. De certa forma, ela sabia que o marido estava perdendo a paciência, mas ele a fazia pensar que era compreensível porque ela era irritante. Evelyn acreditou no que seu marido lhe dizia: ela era o problema. Se Evelyn não conseguia identificar os abusos, como então ela poderia pedir ajuda a Deus e a outras pessoas?

 

2. Nossa percepção das vítimas

 

Os abusos que as vítimas sofrem dia após dia, ano após ano, causam danos especialmente à sua personalidade. Tantos são os efeitos do abuso, que outras pessoas podem confundi-los com pecado ou falta de fé. Os amigos de Evelyn viam uma pessoa deprimida, ansiosa e frágil. Eles a ouviam falar sobre sua culpa como esposa e mãe e presumiram que suas auto avaliações eram corretas (Tito 1:10, 16). Ninguém sabia dos horrores que ela enfrentava em casa.

 

3. Nossa percepção dos abusadores

 

Os opressores costumam ser vistos publicamente como charmosos, até piedosos, enquanto no intimo estão aterrorizando suas famílias. Eles são mestres no engano, mas estão enganando principalmente a si próprios (Provérbios 21: 2; Jeremias 17: 9–10). Para identificar o abuso, não podemos confiar no que vemos ou pensamos saber sobre alguém. O marido de Evelyn era um diácono modelo e ele era um servo na igreja, então ninguém suspeitava que ele estava fazendo tanto mal em seu próprio lar.

 

Entendendo a confusão

 

Quando o abuso não é evidente ou identificado pela vítima, pode ser fácil passar despercebido. Aqui estão quatro maneiras pelas quais podemos ajudar a identificar a opressão na vida das pessoas a quem aconselhamos.

 

1. Saiba o que é abuso.

 

Para identificar algo, temos que saber o que procuramos.

 

O abuso ocorre no casamento quando um dos cônjuges procura controlar e dominar o outro por meio de padrões de comportamento coercitivos, controladores e punitivos.

 

Esse padrão de comportamento controlador é comumente chamado de abuso doméstico ou violência doméstica. Prefiro usar o termo opressão, pois se enquadra em uma categoria que é abordada nas Escrituras e passa a ideia de dominação. Não importa a forma que a opressão assuma (física, emocional, espiritual, sexual ou financeira), o resultado pretendido é o mesmo. Um opressor punirá e ferirá sua vítima para que as coisas aconteçam do jeito que eles querem. O comportamento opressor diz: "Faça o que eu quero, ou senão, sofra as consequências!"

 

2. Faça perguntas para trazer o abuso à luz.

 

Essas perguntas foram elaboradas para identificar padrões de punição e desequilíbrios de poder no casamento. Você pode fazer estas perguntas quando estiver falando com um cônjuge que você suspeita estar sendo vítima de abuso. Ao fazer essas perguntas, certifique-se de que o cônjuge opressor não esteja presente e peça a vitima que dê exemplos detalhados do abuso (Efésios 5: 11–13) - é melhor quando essas perguntas são feitas pessoalmente, já que muitos telefones e e-mails das vítimas são monitorados.

 

·      Você tem liberdade para opinar sobre as decisões em casa?

·      O que acontece quando você diz "não" aos pedidos de seu cônjuge?

·      Você já se sentiu amedrontada perto de seu parceiro?

·      Você já foi ameaçada ou fisicamente ferida neste relacionamento?

·      Você já participou de um ato sexual contra sua vontade?

·      Seu cônjuge a culpa por coisas que dão errado? Como?

·      Seu cônjuge monitora suas interações/relacionamentos com amigos e familiares?

·      Você pode opinar sobre como seus recursos econômicos são usados?

 

3. Descubra como um casal discute.

 

Reúna informações precisas sobre como um casal discute. Os opressores não se envolvem em discussões com a finalidade de alcançar unidade e resolução. Eles veem os argumentos como uma guerra. Para me ajudar a identificar uma situação de potencial opressão, pergunto a vítima: "O que acontece quando vocês discutem?"

 

Procuro saber se o cônjuge demonstra um comportamento controlador, como sarcasmo, distorcer o que é dito ou feito, ficar de mau humor, recusar-se a responder ou ouvir, intimidação física, rir, usar sua reclamação contra você, agir como uma vítima, crítica severa, xingamentos ou bloquear uma porta.

 

Muitas vezes, as mulheres compartilharão com você o conteúdo de uma desavença conjugal. Para fazer a triagem de abusos, você precisa sentir o clima em meio às brigas. Precisamos saber os detalhes e o volume de um argumento. Por exemplo: “Quando ele estava dizendo isso, onde ele estava?” Isso permite que uma vítima diga coisas como "Ele estava me encurralando". Perguntas perspicazes são importantes, por exemplo, “Quando ele fica em silêncio, quanto tempo dura?”, “Ele te chama de quais nomes ou adjetivos?”

 

 4. Você está identificando algum desequilíbrio no relacionamento?

 

Tente identificar pistas não-verbais que o casal exibe na igreja ou em um pequeno grupo de pessoas. Os opressores tendem a controlar as conversas, interromper os outros e não demonstrar empatia ou intimidade com o cônjuge. Em contraste, os cônjuges oprimidos geralmente falam muito pouco e parecem, tanto na postura quanto na fala, estar se submetendo ao cônjuge. (Isso nem sempre é verdade, então não deixe que a presença ou ausência desse comportamento leve você a descartar a possibilidade de opressão em um casamento.) Fique atento a pistas não-verbais que demonstrem desconforto e cautela.

 

Vítimas precisam de ajuda compassiva

 

Também é útil se você for capaz de se colocar no lugar da vítima.

 

Digamos que quando seu cônjuge abusa de você, você sabe que algo está errado, mas geralmente não tem certeza do que seja. Talvez você tenha feito tudo o que pode ser feito e lido todos os livros que pode encontrar sobre casamento. Mas as coisas estão piorando. Nada ajuda.

 

Você vive em constante tensão, com medo da raiva de seu cônjuge e se perguntando o que está fazendo de errado. Você está exausta de tentar de todas as maneiras manter a paz e, mesmo assim, continua se esforçando para em tudo agradar seu cônjuge. Nada funciona.

 

Ninguém ao seu redor vê o que está acontecendo. Nem você tem certeza do que está acontecendo. Você não pode traduzir em palavras o que é viver na sua casa. Parece não haver explicação.

 

Suas perguntas parecem não ter resposta: Por que não consigo consertar essa situação? A situação é realmente tão ruim assim? Estou hipersensível? Estou exagerando? É minha culpa? O que eu fiz para merecer isso? Por que Deus não me ajuda? Nada consegue afastar o sentimento de autocondenação.

 

Você precisa de ajuda para organizar seus pensamentos e experiências, para identificar o pecado pelo nome, e de alguém que seja paciente enquanto você oscila entre o sentimento de que a situação é insuportável e de que você é excessivamente sensível. É uma carga pesada demais para você processar tudo sozinha.

 

Se você é uma amiga ou está na liderança de um ministério, você pode ajudar mulheres nessa situação fazendo o que Jesus faria. Jesus se aproximou dos contritos de coração, sentou-se com eles, chorou com eles e ouviu o que estava em seus corações. E ele fez tudo com ternura. Quando você tentar apoiar os oprimidos, ore para que você possa fazer isso com uma atitude amorosa.

 

 Uma imagem de esperança

 

Após um ano me encontrando com Evelyn, ela foi capaz de ver de forma consistente e clara o controle coercitivo e a crueldade de Bill. Ela perguntou se eu a ajudaria a pedir ajuda e orientação ao pastor. Sua igreja conseguiu estabelecer aconselhamento regular para ela e encontrou pessoas sábias que entendiam de abuso para cuidar dela. Quando foi seguro confrontar Bill sobre seu comportamento, eles começaram o processo. Foi uma bênção para ela e seus filhos ter pastores cuidando dela em uma situação tão difícil.

 

À medida que tentamos ajudar mulheres que foram feridas, é importante lembrar que não somos especialistas em violência doméstica. A dinâmica do abuso em um casamento é difícil, imprevisível e às vezes perigosa. Peça aos líderes de sua igreja orientação e opinião sobre quando envolver ajuda profissional, como líderes leigos, conselheiros bíblicos e outros.

 

Quando passamos a enxergar as vítimas invisíveis, estamos restaurando a esperança. Estamos traduzindo em palavras o sofrimento delas, o que lhes dá razões para orar e a capacidade de pedir a ajuda tão necessária de que precisam. No final das contas, estamos jogando um faixo de luz na escuridão que os abusadores malignos querem que permaneça escondida; luz que pode trazer restauração.


https://www.reviveourhearts.com/articles/seeing-unseen-victims-domestic-abuse-your-church/  (texto original)