sexta-feira, 8 de maio de 2015

Criar Filhos Significa Lutar com Demônios

Jonathan Parnell


Eu abri a porta com os ombros, segurando nas mãos a sacola com o jantar (mais uma vez). Eu entrei pela sala escura e coloquei o jantar sobre a mesa. Ouvi as crianças brincando no andar de baixo enquanto espiava dentro do quarto e achei minha esposa deitada, se contorcendo com náuseas. Ela estava passando mal demais para pensar em comer, quanto mais preparar a comida para o resto da família, então pela quarta vez nos últimos dias, papai estava trazendo o jantar para a família.


É isso que acontece em tempos de guerra e, por alguns meses em nossa casa, temos vivido em um campo de guerra. Minha esposa está grávida de nosso quinto filho.


Como muitas mães podem confirmar, muitas vezes não é apenas o enjoo da manhã que incomoda, mas o enjoo pode ser contínuo. Ela não tem se sentido bem desde que o novo membro de nossa família foi concebido no final do ano passado.  Tudo bem – nós entendemos. Isso faz parte deste território. Náusea é apenas um detalhe de uma luta maior. Nós já aprendemos que lutar com demônios não é algo fácil. 


SATANÁS ODEIA AS CRIANCINHAS DO MUNDO



Em seu livro Adopted for Life (Adotado Para Sempre, tradução livre), Russel Moore diz que Satanás odeia as crianças e sempre as odiou. A História diria a mesma coisa. Nas Escrituras, vemos o extermínio de bebês no Egito de Faraó e em Belém com Herodes. Toda vez que forças demoníacas se opõem a Jesus, “bebês são vítimas do fogo cruzado”. Moore explica:


Seja através de maquinações políticas como as de Faraó e Herodes, através de conquistas militares nas quais exércitos sedentos pelo derramamento de sangue rasgam ao meio o útero de mulheres grávidas (Amós 1:13), ou através da mais “rotineira” desintegração da família e do caos na família, as criança são sempre feridas. A história da humanidade está repleta de seus cadáveres. (p. 63)


Seja olhando o passado nas páginas da história mundial ou apenas ao nosso redor hoje em dia, esta é uma verdade. As crianças são sempre atingidas no fogo cruzado, tão frequentemente feridas e tão frequentemente vítimas de um conflito maior no qual elas não têm voz e não exercem influência nem têm a responsabilidade. Aconteceu no passado quando povos primitivos acreditavam que sacrificar seus filhos satisfaria os deuses e quando a queima de casas e o saquear dos vilarejos faziam parte das guerras. E acontece ainda hoje quando cidadãos desorientados invadem escolas com armas de fogo em punho, quando clínicas de aborto recebem de braços abertos as adolescentes amedrontadas, quando o Boko Haram saqueia uma vila na Nigéria ou quando um casal decide abortar um bebê com síndrome de Down porque ele atrapalhará seus planos de vida. Moore escreve:


Os poderes demoníacos odeiam os bebês porque odeiam Jesus. Quando eles destroem “alguns destes mais pequeninos” (Mateus 25:40,45), os mais vulneráveis entre nós, eles estão destruindo uma representação do próprio Jesus... (p. 63-64)


Existe uma guerra contra as crianças e estamos todos, de uma forma ou de outra, exercendo algum papel nesta guerra. Toda vez que agimos com fidelidade como pais (ou cuidamos de crianças em qualquer situação, incluindo a defesa dos bebês indefesos que ainda não nasceram, ou o trabalho voluntário no berçário da igreja aos domingos), nós estamos lutando contra demônios – porque há poucas coisas que os demônios odeiam mais do que as pequeninas crianças. 


UMA MUDANÇA DE PERSPECTIVA



Isso nos convida a mudarmos nossa perspectiva como pais. Se ingressarmos no trabalho de criação de filhos com o romantismo dos bibelôs, não vai demorar muito para que sejamos tomados por desespero. Será algo extremamente difícil se você estiver pensando que é uma tarefa fácil. É essencial que você saiba, especialmente quando o processo estiver difícil, que estamos lutando contra o inferno. 


Quando começarmos a enxergar a criação de nossos filhos através das lentes da batalha espiritual, teremos esta nossa tarefa reconfigurada em pelo menos cinco maneiras importantes.


1. Surpreenderemo-nos mais quando as coisas se saírem bem do que quando as coisas se saírem mal.


Você pensou que criar filhos seria mais fácil do que está sendo. Sim, você pensou. Muito disto se deve à mudança da função da criança em nossa sociedade. Em gerações passadas, crianças nasciam principalmente nestes três contextos: 1) necessidade econômica (mais mãos ao trabalho na fazenda!), 2) obrigação moral (através da influência cristã), e 3) estrutura vigente (parte do Sonho Americano) (Jennifer Senior, All Joy and No Fun: The Paradox of Modern Parenting).


Contudo, hoje em dia o trabalho infantil é proibido, a voz da igreja minguou, e o Sonho Americano torna-se cada vez mais a celebração do sucesso de indivíduos com originalidade e empreendedorismo. A “necessidade” de filhos não é tão intensa como foi em tempos passados – apesar de crianças obviamente ainda estarem nascendo. Então, a questão torna-se por quê. Em que contexto e mentalidade os filhos estão nascendo na América do século XXI?


Jennifer Senior diz que hoje, ao invés de serem consideradas uma necessidade, as crianças são vistas mais frequentemente como uma mercadoria de alto valor. Ela explica:


[Pais] lidam com a criação de filhos com o mesmo senso corajoso de independência e individualidade que eles lidam com qualquer outro projeto de vida ambicioso... Porque tantos de nós somos agora ávidos voluntários em um projeto que outrora era considerado um dever a ser cumprido com dedicação, nós elevamos as expectativas do quê as crianças farão por nós, considerando-as fontes de preenchimento existencial ao invés de uma parte normal de nossas vidas. (ênfase adicionada)


Em outras palavras, como uma mercadoria, a maioria da sociedade diz que as crianças existem para nos fazerem feliz, para alimentar nosso ego e para que você ganhe uma expressão de aprovação do mundo que te observa. Nós temos filhos porque pensamos que filhos tornarão nossas vidas melhores.


Mas se empurramos nossos carrinhos de bebê com esses ideais em mente, não saberemos o que fazer quando as coisas derem erradas – como quando nossos filhos fazem xixi no corredor do supermercado, ou quando se recusam a ficar em suas camas de noite, ou quando eles conseguem abrir o armário do banheiro e apertam o spray do purificador de ar em seus próprios olhos, ou quando, em uma situação bem mais séria, a ultrassonografia revela uma abnormalidade. 


Nenhuma destas coisas são “prazerosas”.


Na verdade, elas são difíceis; elas nos trazem dor de cabeça, e dor no coração. Então ficamos com raiva das circunstâncias e reclamamos porque nossos filhos não obedecem tudo o que falamos; isso porque tivemos a expectativa equivocada de que eles iriam.


Mas se entendêssemos que uma batalha espiritual está sendo travada, não correríamos tão rapidamente da grosseria de nossos filhos, ou pelo menos não da mesma maneira. Quando esse comportamento é esperado, talvez o recebamos com correção e gentileza. Não ficaríamos irritados porque ela deu um soco na irmã, ao invés, ficaríamos surpresos por ela ter oferecido suas balas a ela. Quando sabemos que estamos lutando com demônios, a desobediência não nos surpreende tanto quanto a obediência nos surpreenderia. 


2. Apreciamos as nuances nas estratégias de criação de filhos.


A batalha espiritual que ocorre no processo de criação de filhos significa que a tarefa será complicada – mais complicada do que a técnica do cobertor presente em vários modelos de criação de filhos. Há tantas partes dinâmicas em cada contexto familiar, sem mencionar ainda as diferenças nos filhos. É tolice pensar que existe um modelo único que determine como os detalhes devam acontecer cada vez.  Modelos de criação de filhos que sugerem o oposto são cheios de reducionismos e reações exageradas, seja no modelo que dita que devemos sempre deixar o bebê chorar até dormir ou no que dita que ele deve sempre dormir na cama com a mamãe e o papai. Quando escolhemos um modelo dentre outros, estamos adotando seus prós e contras (que existem em cada sistema) – e pior, nos prendemos a uma mentalidade tribal que repudia pais e mães que fazem as coisas de forma diferente de como nós as fazemos. 


Criar filhos já é difícil o suficiente. Nós estamos lutando contra demônios. Ao invés de ser um defensor descontrolado de determinado modelo, ofereça ajuda e sua experiência quando te perguntarem, e considere omitir-se quando não pedirem sua opinião.


3. Entendemos o perigo do outro extremo.


A resposta instintiva à mensagem demoníaca de que as crianças não têm valor é cair no erro de que filhos são tudo. Esta resposta é uma direção tão oposta ao ódio que se tem das crianças que começa a se tornar uma adoração aos filhos. Isso acontece quando as crianças são elevadas além do caráter humano, como que angélicas. Ao invés de ver os filhos como interrupções aos nossos planos ou uma inconveniência às nossas prioridades, pendemos para o lado oposto e fazemos delas o centro de nosso mundo. Isso faz parte de uma mudança na sociedade que se iniciou no final do século XX. Jennifer Senior comenta: “As crianças pararam de trabalhar e os pais trabalham duas vezes mais. As crianças deixaram de ser nossos funcionários e passaram a ser nossos chefes.”


Quando vemos a criação de filhos no contexto da batalha espiritual, nós entendemos que o inimigo tem mais do que uma estratégia para causar danos. Pode ser difícil de engolir, mas aprendemos que os demônios também sentem prazer em um lar que é liderado pelos filhos, principalmente os filhos cujos corações são tão atrofiados pelo egoísmo e por todas as vontades feitas que não conseguem enxergar a si mesmos como pecadores que necessitam de um Salvador. 


4. Entendemos que os filhos são presentes do Senhor, não são um acidente, nem ídolos.


Filhos são uma bênção de Deus (Salmo 127:3, 5). As implicações desta verdade são imensas e gloriosas, incluindo, primeiramente, que filhos nunca são acidentes, e segundo, que eles nunca são o objeto de nossa adoração. 


Exclua do seu vocabulário a conversa de que seu caçula foi um “acidente”. Ele não é. Ele não pode ser. Ele não é um acidente da mesma forma que não são acidentes um diploma universitário, uma promoção no trabalho ou o “sim” de sua esposa quando você a pediu em casamento. Todos estes são bênçãos. Bênçãos e não acidentes – portanto, vamos afirmar esta verdade. Bênçãos, afinal de contas, não são todas do mesmo formato e tamanho. Entendemos que algumas vezes na economia de Deus, bênçãos não são servidas em uma bandeja de prata. Elas são boas, maravilhosamente boas, mas não do tipo de bondade que você coloca no micro-ondas.  Parecem mais uma longa e incansável caminhada na montanha, do tipo que te faz parar e questionar se você conseguirá chegar, mas quando você consegue, você se enche de um contentamento profundo que só é possível devido à altitude em que você se encontra. 


Este tipo de bênção não é um acidente, nem tampouco um ídolo. Se colocarmos nossos filhos no trono de nossos corações, é só uma questão de tempo até que ocorra uma explosão. Isto porque ídolos sempre encobrem a auto-adoração. Quando os filhos se tornam nossos ídolos, isso quer dizer que eles se tornam a maneira pela qual adquirimos significado. O que é triste a respeito daquele pai que não larga do pé do filho no treino de futebol é que o significado do pai está tão atado ao sucesso de seu filho que ele não pode imaginar um fracasso. Sob o pretexto de amar o filho, ele cria uma pressão insuportável e usa o filho para vantagem própria. Todos saem perdendo.


Nem acidentes nem ídolos, nossos filhos são presentes – bênçãos pelas quais devemos ser gratos e pelas quais somos chamados para sermos responsáveis.


5. Sabemos que Deus está na batalha do nosso lado.


Certa vez uma multidão veio a Jesus com suas crianças. As pessoas tinham a esperança de que ao ver as crianças, Jesus iria impor as mãos sobre as crianças e orar. Contudo, os discípulos de Jesus repreenderam a multidão. O Mestre não tem tempo para as crianças. Elas são muito inferiores a Ele. Tirem elas daqui.


Não é tão áspero como parece. Talvez nós tivéssemos feito a mesma coisa.


Mas Jesus fala uma palavra de correção: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas” (Mateus 19:14). E depois, como Mateus nos conta, “Jesus pôs as mãos sobre elas” (Mateus 19:15).


Quando Jesus fez isso, tanto para aquela época como para os nossos dias, Ele se distinguiu como um defensor de crianças. Deixem vir a mim as crianças. Isto quer dizer, que de uma maneira que não podemos completamente entender, Jesus ama seus filhos mais do que você mesmo. 


Isso significa, como Deus nos falou em Sua Palavra, que Ele é a favor nos mais pequeninos e frágeis entre nós. Significa que Ele está nesta batalha do nosso lado, e tem lutado por anos. 


Isso significa que quando a náusea parece não ir embora, ou quando estamos lutando com os piores demônios, apesar de não ser fácil, nós venceremos esta batalha. 

©2015 Desiring God Foundation. 
www.desiringGod.org (website em inglês com alguns recursos em português).

Traduzido com permissão por Rachel Machado Soares Beere